Osteogêneses Imperfeita:
Diagnóstico, Tratamento e Prognóstico
Artigo de Revisão Bibliográfica mestrado Integrado em Medicina 2012/2013
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar - Universidade de Portugal
Vera Lúcia Ferreira Luís
O objetivo desta revisão bibliográfica é apresentar informação atual sobre a OI, que por ser uma doença rara, pode ser difícil de reconhecer . Conclui que o fato de existirem poucos afetados, torna difícil estudar e compreender totalmente a patologia. Veja o artigo completo no link abaixo.
Resumo
A Osteogenesis Imperfecta é uma doença genética rara que afeta o tecido conjuntivo. O fenótipo é muito variável e caracteriza-se por fragilidade óssea com ocorrência de fraturas ao mínimo trauma, frequentemente acompanhada de escleróticas azuis, Dentinogénese Imperfecta, baixa estatura e hipoacusia. Tem uma incidência de 1 em cada 10000 – 20000 nascimentos, e estima-se que em Portugal existam cerca de 660 portadores. Em 1979, Sillence classificou a doença com base em evidências clínicas e radiográficas, dividindo em 4 tipos. O tipo I é a forma mais leve da doença. O tipo II a mais severa, sendo geralmente letal no período perinatal. O tipo III, também chamado deformante progressiva é a forma não letal mais severa. O tipo IV tem um fenótipo variado que varia entre o tipo I e III. Estes tipos são causados por mutações autossómicas dominantes nos genes COL1A1 e COL1A2. Recentemente, mutações autossómicas recessivas foram descritas, surgindo 5 novas formas da doença. O diagnóstico é geralmente feito com base em critérios clínicos e radiográficos. O tratamento pode ser médico, cirúrgico ou farmacológico e visa tratar as manifestações da doença, uma vez que não há cura.
O Objetivo desta
revisão bibliográfica é apresentar informação atual sobre Osteogênese Imperfeita,
que por ser uma doença rara, pode ser difícil de reconhecer pelos clínicos,
nomeadamente pediatras e médicos de família, que são, muitas vezes os primeiros
a avaliar estes doentes. Foi feita uma pesquisa na PubMed, selecionando os
artigos relacionados com Osteogênese Imperfeita. Conclui que o facto de
existirem poucos doentes, torna difícil estudar e compreender totalmente esta
patologia. Apesar de haver muita informação disponível, e de muitos estudos
terem sido efetuados ao longo de muitos anos, ainda não está totalmente
esclarecida a fisiopatologia desta doença, e um tratamento eficaz e definitivo
ainda não está estabelecido.
Introdução
A Osteogênese Imperfeita (OI), também conhecida como Doença a dos Ossos de
Vidro, doença de Lobstein, Fragilitas ossium ou ainda Doença de Vrolik, é uma
doença genética rara, do tecido conjuntivo, caracterizada por fragilidade óssea
e osteopenia. O padrão de hereditariedade mais comum é o autossómico dominante,
no entanto estão identificados casos de hereditariedade recessiva e também
mutações de novo em crianças cujos pais não são afetados. O tecido conjuntivo é
sempre afetado, sendo que na maioria dos casos existe comprometimento da
estrutura do colagénio tipo I. Em 1979, David Sillence, baseado-se em
evidências clínicas e radiográficas, foi o primeiro a classificar a doença em 4
tipos, em que as mutações são dominantes e ligadas a mutações nos genes COL1A1
e COL1A2. No entanto, mais recentemente descobriramse mutações autossómicas
recessivas e foram classificados mais tipos, com base em características
histológicas e moleculares. A apresentação clínica é extremamente variável,
incluindo: suscetibilidade aumentada para fraturas, massa óssea reduzida, baixa
estatura, deformidades esqueléticas progressivas, escleróticas azuladas,
Dentinogénese Imperfeita (DI), hiperlaxidez articular e hipoacusia. As
complicações menos frequentes são invaginação basilar, convulsões, dilatações
das grandes artérias como o aneurisma aórtico, prolapso da válvula mitral,
obstipação e cálculos renais. Segundo dados divulgados pela Associação
Portuguesa de Osteogêneses Imperfeita (APOI) é a doença óssea genética mais
comum e a sua incidência é de 1 em cada 10 000 – 20 000 nascimentos, porém as
formas ligeiras são provavelmente sub-diagnosticadas. Apenas 0,008% da
população mundial é afetada por OI, admitindo-se atualmente meio milhão de
doentes em todo o mundo. Em Portugal não existe registo nacional mas estima-se
a existência de aproximadamente 660 portadores, sendo que apenas cerca de uma
centena estão diagnosticados e em seguimento.
O colagénio é
constituído por 3 cadeias polipeptídicas (cadeias α) enroladas sobre si em
hélice, unidas por pontes de hidrogénio, formando uma superhélice tripla. Os
principais aminoácidos constituintes são a glicina (33,5%), a prolina (12%) e a
hidroxiprolina (10%). Cada terceiro aminoácido vira-se para o interior, e o
mais pequeno dos aminoácidos, a glicina, é recrutado para o efeito. A sequência
de aminoácidos segue o padrão Glicina-X-Y, com resíduos abundantes de prolina
em X e hidroxiprolina em Y. O colagénio tipo I (α1α2) trata-se do tipo de
colagénio mais abundante, representando 90% do colagénio tecidual total,
responsável por 70 a 80% do peso seco dos tecidos fibrosos densos que formam o
sistema músculo-esquelético. Este heterodímero é constituído por duas cópias da
cadeia α1, codificada pelo gene COL1A1 no cromossoma 17, e uma 5 cadeia α2
codificada pelo gene COL1A2 no cromossoma 7. A OI do tipo I é causada por
defeito na quantidade de colagénio, pois é produzida apenas metade da quantidade
que seria de esperar, sendo que a qualidade deste está intacta (1). O mesmo não
acontece nos tipos II, III e IV, em que existem defeitos estruturais em uma das
cadeias de colagénio. 80% destas mutações estruturais ocorrem devido a
substituições dos aminoácidos constituintes (2).
Durante a formação
do colagénio (Fig. 1), há um complexo multifuncional essencial á correta
montagem das cadeias que formam o heterodímero. Trata-se do complexo de 3-
hidroxilação do colagénio, localizado no reticulo endoplasmático (RE). É
constituído por uma proteína associada a cartilagem (CRTAP - cartilage
associated protein), uma enzima prolil 3-hidroxilase1 (P3H1) e finalmente uma
peptidil-prolil cis-trans isomerase B (PPIB) também conhecida como ciclofilina
B (CyPB). O complexo tem também a função de chaperona, e alem disso, cada um
dos componentes são proteínas multifuncionais com funções extracelulares
independentes. Mutações nos genes que codificam para chaperonas presentes no RE
foram implicadas em diversas formas de OI descobertas 6 mais recentemente. Um
dos genes, associado ao tipo VIII de OI é o LEPRE1, codificador da P3H1. Esta é
o componente enzimático presente no complexo 3-hidroxilação, indispensável para
modificações necessárias das cadeias de pró-colagénio durante a biossíntese da
molécula do colagénio (3). O gene CRTAP, que codifica para a proteína CRTAP, é
responsável pelo tipo VII de OI (4). A chaperona HSP47, codificada pelo gene
SERPINH1, específica para o colagénio, liga-se e acompanha a molécula de
procolagénio juntamente com a CyPB até ao complexo de Golgi (5). Defeitos nesta
proteína implicam uma secreção retardada do colagénio e fibrilhas anormais (6).
Está associada aos tipos de OI VI e X. A chaperona FKBP65 é codificada pelo
gene FKBP10, e está também associada a uma secreção retardada de colagénio,
dilatação do RE e presença de agregados intracelulares de colagénio (7). A
Tabela 1 resume os tipos de OI e as mutações associadas.
Classificação
Tipo I
Trata-se da forma
mais leve e mais comum da doença, representando cerca de 50% da população total
de doentes. Pode ser transmitida por um portador de mosaicismo, ou surgir em
famílias não afetadas, por uma mutação espontânea. Testes bioquímicos têm revelado
a quantidade de colagénio está diminuída, mas a estrutura apresenta-se normal.
Geralmente não detetada á nascença. Os doentes tendem a apresentar osteoporose
desde jovens, a sua primeira fratura pode acontecer em idade pré-escolar,
causadas por traumas mínimos, normalmente durante a aprendizagem da marcha.
Apresentam fraturas frequentes durante a puberdade, com tendência a diminuir
posteriormente. Os ossos longos são tipicamente ligeiramente curvos (Fig. 2).
Podem ocorrer luxações do ombro ou do cotovelo, e ainda compressão mínima das
vertebras centrais, responsável por dores crónicas.
A estatura da
criança pode manter-se dentro dos valores médios, ou ligeiramente abaixo dos
restantes membros da família não afetados pela doença, mas o comprimento dos membros
inferiores tende a ser desproporcionalmente curto. A presença de escleróticas
azuis é uma característica importante na classificação de Sillence, no entanto
ela nem sempre está presente. Há uma elevada incidência de perda de audição que
geralmente surge com mais frequência no adulto-jovem. O tipo I é ainda dividido
em A, cujos doentes apresentam DI, e B em que esta está ausente. As pessoas com
OI tipo I tendem a sofrer alguma pressão psicológica por não sentirem apoio e
proteção para a sua fragilidade na sociedade, pois a sua aparência é normal. A
família, sobretudo os pais, devem apresentar relatórios médicos do diagnóstico
de OI, para evitar acusações de maus-tratos nos Serviços de Urgência. Os
principais cuidados e vigilância neste tipo de OI incluem sobretudo avaliações
no atraso de desenvolvimento físico e motor, fragilidade e instabilidade das
articulações e ligamentos, fraqueza muscular, prevenção de fraturas e proteção
da coluna vertebral.
Tipo II
É uma forma letal
perinatal e representa a forma mais severa da doença. Os recém-nascidos têm
baixo peso, membros muito curtos, peito pequeno e os ossos do crânio macios.
Frequentemente as pernas apresentam-se em abdução. Radiologicamente verifica-se
uma diminuição da mineralização da calote craniana, corpos vertebrais
achatados, fémures encurtados e largos, costelas curtas e deformadas, bastante
osteoporóticos com um córtex mínimo ou inexistente. O crânio é relativamente
grande em relação ao tronco, as fontanelas estão aumentadas, e a criança tende a
apresentar uma face triangular com nariz pequeno e escleróticas
azul-acinzentadas. O tórax tende a ser deformado, com um ápice estreito. Os
pulmões e a árvore respiratória estão subdesenvolvidos, pelo que os problemas
respiratórios são comuns. Radiograficamente podem-se detetar diversas fraturas
in útero e em diversas fases do processo de cura, que podem ser diagnosticadas
nas ecografias de rotina da gravidez (Fig. 3)
Os cuidados
principais que se levantam com tipo II de OI incluem a obtenção de um
diagnóstico preciso, aconselhamento genético e apoio psicológico à família,
assistência respiratória e cardíaca à criança.
Tipo III
Também conhecido
como tipo deformante progressiva, é a forma mais severa da doença compatível
com a vida, no entanto é altamente limitante, levando grande parte dos doentes
á morte durante a infância ou nos primeiros anos da vida adulta, devido a
complicações respiratórias ou neurológicas. À nascença, as crianças apresentam
os membros ligeiramente curtos e curvos, o tórax pequeno, e a calote craniana
macia. O grau de fragilidade óssea e a quantidade de fraturas variam
significativamente mas geralmente podem-se contar centenas durante a vida destes
doentes que podem apresentar curvaturas de 70 a 90º, causadas pela tensão
normal dos músculos sobre os ossos ou pela consolidação de fraturas. Estas
crianças têm uma estatura francamente diminuída e os adultos não costumam
atingir mais de 1,02 metros, sendo os membros inferiores mais proporcionais
relativamente ao tronco do que nos doentes do tipo II. Um achado radiográfico
frequente são as chamadas calcificações tipo pipoca, causadas pela
desorganização na região do disco epifisário (Fig 4). É encontrado em mais de
metade dos doentes entre os 4 e os 14 anos, tendo resolução na altura em que a
epífise fecha. A deformação da caixa torácica é frequente pela presença de
escoliose, pectus excavatum ou pectus carinatum, e ainda compressão vertebral,
sendo comuns os problemas respiratórios.
É típica a forma
triangular da face, em alguns casos devido ao sobre desenvolvimento da cabeça,
em outros devido à proeminência dos ossos da cara. As escleróticas podem ser
brancas, azul, roxas ou cinzentas. A DI pode ocorrer, mas não é característica
deste tipo.
Tipo IV
Considerado
moderadamente severo, o tipo IV varia no que diz respeito à gravidade das
fraturas, podendo estas ser esporádicas, como no tipo I, ou gravíssimas, como
as do tipo III. Em média, os doentes deste tipo sofrem dezenas de fraturas, que
ocorrem na sua maioria antes da puberdade e mais tarde durante a meia-idade,
sugerindo uma proteção das hormonas sexuais. Geralmente têm um atraso no
crescimento, podendo este ser de moderado a grave. Este é o principal facto que
as distingue do tipo I onde, como já foi dito, habitualmente o crescimento é
normal. O peso habitualmente está diminuído para a idade, as proporções do
esqueleto são aproximadamente normais, e o crânio é macrocefálico. Compressão
vertebral, escoliose e hiperlaxidez das articulações também é comum. O tipo IV
é dividido em A, se a DI está 11 presente, ou B se a DI está ausente. Como no
tipo III, estão também descritas calcificações tipo pipoca nestes doentes, mas
não tão frequentes e o encurvamento dos ossos longos também é comum, mas com
menor intensidade. As escleróticas costumam ter uma coloração azul clara
durante a infância, e a intensidade da cor tende a tornar-se cada vez mais
clara, chegando a tornar-se branca na adolescência ou fase adulta. Os
indivíduos sofrem de uma osteoporose bastante significativa, mas com
intervenção médica podem ter uma marcha normal durante toda a sua vida.
Tipo V
Este tipo pode ser
difícil de distinguir do tipo IV pois ambos os tipos apresentam fraturas
frequentes, deformidade moderada, hiperlaxidez articular e a perda de
mobilidade é infrequente. No entanto existem algumas diferenças clínicas,
histológicas e moleculares. A limitação severa na pronação e supinação dos
antebraços, que resulta da calcificação da membrana interóssea entre o rádio e
o cúbito (Fig. 5), restringe a rotação e pode provocar luxação da cabeça do
rádio.
É comum a
presença de uma banda metafiseal radiopaca imediatamente adjacente ao disco
epifisário, durante a fase de crescimento e de grandes calos 12 hipertróficos
nos ossos longos (Fig. 6), nos locais de fraturas ou cirurgias prévias, ou
podem surgir espontaneamente (8).
Estes indivíduos
não apresentam escleróticas azuis nem DI. Histologicamente, as lamelas ósseas,
apresentam um arranjo irregular em rede (mesh like) (Fig. 7). Molecularmente, o
colagénio tipo I não apresenta alterações, nem foram detetadas mutações nos
genes COL1A1 e COL1A2 (9). Recentemente foi identificada uma mutação que
responsável por esta forma de OI, no gene IFITM5 que codifica uma proteína
transmembranar induzida por interferão 5 (IFITM5 - interferon-induced
transmembrane protein 5). Foi identificada em padrões familiares da doença e
também em casos de novo. Esta proteína encontra-se exclusivamente no tecido
ósseo e tem um papel importante na formação do osso (10).
Tipo VI
Trata-se de uma
forma extremamente rara da doença, autossómica recessiva (11). A sua gravidade
é moderada a severa e clinicamente semelhante à OI tipo IV. É causada por
mutações no gene SERPINF1 que codifica a chaperona HSP47 (Fig. 1) A distinção é
feita apenas através de critérios moleculares e histológicos. As lamelas
apresentam-se com padrão em escamas de peixe (Fig. 8), e há uma diminuição no
volume de osso mineralizado secundária a um aumento do volume de osteoide. As
características destes indivíduos incluem uma baixa estatura, hiperlaxidez
articular, compressão vertebral, escleróticas brancas ou ligeiramente azuis e
não apresentam DI. Achados radiológicos comuns são as deformidades dos ossos
longos, coxa vara e protusão acetabular (12). As primeiras fraturas ocorrem
durante a infância, e a sua frequência é maior do que a descrita no tipo IV. As
deformidades causadas por fraturas dos ossos longos podem ser moderadas a
severas, e geralmente são necessários auxiliares de marcha para manter a
mobilidade dos indivíduos.
Tipo VII
Este é um tipo de
OI que pode ser letal. Causada por mutações no gene CRTAP no cromossoma 3p22. O
gene CRTAP codifica a proteína associada a cartilagem (CRTAP) (Fig 1). Foram
encontradas pelo menos 5 mutações que são responsáveis por cerca de 2 a 3% dos
casos de letalidade em doentes com OI (4). Fraturas e deformidades dos membros
estão presentes ao nascimento. As fraturas são recorrentes mas tendem a cessar
após a puberdade. Radiograficamente é característica a presença de coxa vara e
rizomelia (13). Os recém-nascidos geralmente desenvolvem insuficiência
respiratória no período neonatal e morrem frequentemente devido a infeções
pulmonares. A circunferência cefálica é pequena ou normal, apresentam
exoftalmia e a esclerótica é branca ou ligeiramente azulada (4). Estas crianças
geralmente têm a marcha preservada sem necessidade de auxiliares.
Tipo VIII
É uma forma
autossómica recessiva também severa ou letal. Neste tipo, o componente
enzimático P3H1 codificado pelo gene LEPRE1 (Fig. 1), encontra-se deficiente. O
fenótipo é altamente variável e assemelha-se aos tipos II e III, sendo difícil
a sua distinção no período perinatal. No entanto, com o desenvolvimento,
algumas características ajudam na distinção destas entidades. Os doentes
apresentam escleróticas brancas, a circunferência cefálica é normal a baixa, os
ossos longos são curtos,e também apresentam rizomelia. São características a
estatura extremamente baixa, osteoporose severa e calcificações em pipoca
durante o desenvolvimento. Alguns indivíduos sobreviveram até a segunda ou terceira
década.
Tipo IX
Este tipo de OI
foi recentemente descrito, e é causado por deficiência na ciclofilina B (CyPB)
codificada pelo gene PPIB. O fenótipo é variável, pode ser severo ou letal
(14). Estes indivíduos apresentam um fenótipo distinto dos tipos VII e VIII,
pois não apresentam rizomelia, mas apresentam a esclerótica branca (15). Têm
também uma baixa estatura moderada, e podem ou não apresentar compressões
vertebrais. Tipo X Recentemente verificou-se que a ausência ou disfunção da
chaperona HSP47, codificada pelo gene SERPINF1, é responsável pelo tipo VI e X
de OI (16,17). As crianças apresentam uma forma severa da doença com DI,
escleróticas azuis e cálculos renais requerendo nefrectomia (18).
Tipo XI
Este tipo de OI
surgiu quando se verificou que alguns doentes turcos e mexicanos apresentavam
mutações no gene FKBP65 que codifica a chaperona FKBP1 (Fig. 1). Todos os
probandos apresentavam fraturas nos ossos longos, hiperlaxidez articular,
platispondilia e escoliose, no entanto as escleróticas e os dentes
encontravam-se normais. Histologicamente, o padrão lamelar ósseo é em escamas
de peixe como ocorre no tipo VI. Os dois indivíduos turcos apresentavam ainda
níveis elevados de fosfatase alcalina (19). Até á data não foram reportadas
mutações em comum nos tipos VI e XI de OI, que possa explicar o padrão lamelar
ósseo encontrado, o que pode indicar que exista um mecanismo comum em mutações
genéticas diferentes. Outras mutações genéticas têm sido estudadas, por
causarem síndromes que se assemelham a OI (20). No entanto a informação
disponível ainda é escassa e ainda não são oficialmente consideradas formas de
OI. É o caso da Síndrome de Bruck em que o gene PLOD2 mutado codifica a enzima
lisil-hidroxilase, necessária para a modificação pós-transacional da lisina em
hidroxilisina, é descrito como sendo uma forma de OI com contraturas congénitas
(21). A Síndrome Osteoporose Pseudoglioma é descrita como uma forma severa de
OI que causa cegueira. Resulta de mutações no gene LRP5 que codifica um
receptor transmembranar (Low-density lipoprotein receptor-related protein 5). A
síndrome de Cole Carpenter é discrito como OI com craniosinostose e proptose.
Características secundárias da OI Escleróticas azuis
É uma
característica definidora na classificação de Sillence, sendo que estas se
encontram azuis no tipo I e brancas no tipo IV, o que resultou no agrupamento
de crianças com características inconsistentes do esqueleto. No entanto é mais
correto pensar nesta característica como secundária e não como definidora do
tipo de doença, uma vez que ela nem sempre está presente. O tom azulado (Fig.
9) pode resultar da diminuição da espessura da esclerótica. Contudo, pode
ocorrer em escleróticas de espessura normal, sendo que nestes casos, tecidos
com diferente composição de proteoglicanos, e consequentemente, diferentes
estados de hidratação, pode resultar num tom azulado devido a reflecção das
ondas de radiação visível (22).
Dentinogenesis Imperfecta (DI)
O componente mais
abundante na constituição dentária é a dentina, que é formada em grande parte
por colagénio tipo I. A DI associada a OI é classificada como sendo do tipo I,
e tem um comportamento genético recessivo, enquanto a DI tipo II e III, são
herdados de forma autossômica dominante e não estão associados a outras
patologias (23). Clinicamente é caracterizada por dentes translúcidos e
escurecidos (Fig. 10), podendo adquirir uma coloração que varia entre o
cinzento, amarelo e castanho. Os 17 dentes encontram-se enfraquecidos com perda
acentuada de esmalte, desgastando-se ou quebrando com facilidade. Afeta tanto a
dentição decídua como a permanente, sendo menos grave na última. A erupção
dentária pode estar acelerada ou atrasada nestes doentes (24).
Histologicamente, evidencia-se a disposição anómala da dentina, os túbulos
dentinários encontram-se dispostos de forma irregular, com amplas áreas de
intervalo contendo matriz não mineralizada, tendem a ser mais largos em
diâmetro e menos numerosos quando comparados à dentina de um dente não afetado,
e podem ainda encontrar-se ocluídos tal como as câmaras pulpares e canais
radiculares (25). Imagens radiográficas podem revelar alterações que por vezes
não são visíveis na inspeção dentária.
Estatura
A baixa estatura é
a característica secundária da OI mais prevalente. Os indivíduos do tipo I, tem
um crescimento paralelo á curva normal, e a altura final será apenas uns
centímetros mais baixa do que os seus parentes do mesmo género (22). Crianças
com os tipos III ou IV da doença, geralmente deixam de acompanhar a curva normal
do crescimento ao 1 ano de idade, mantendo uma fase de plateau ou crescimento
lento até aos 4 ou 5 anos. A partir dos 5 anos, as crianças do tipo IV
frequentemente conseguem ter um crescimento paralelo á curva normal, no entanto
já não é possível compensar o atraso que ocorreu durante a fase de plateau,
portanto a estatura final será comparável á de um jovem adolescente. Os
indivíduos do tipo III tem uma taxa de 18 crescimento aumentado após a fase de
plateau, no entanto não acompanha a curva normal e a estatura final será
comparável á de uma criança pré púbere. Indivíduos com formas severas da doença
podem apresentar baixa estatura devido a compressão das vertebras, escoliose
severa, deformidades dos membros inferiores e disrupção dos discos epifisários,
contudo o crescimento também pode estar comprometido mesmo na ausência destas
alterações (Fig. 11). A causa desta baixa estatura ainda não está totalmente
esclarecida. Foi sugerido que se trate de um mecanismo de proteção, uma vez que
menor peso causará menor stress ósseo e consequentemente menor probabilidade de
haver fraturas (26). A OI não afeta o desenvolvimento cognitivo, no entanto
devido ao enfraquecimento da musculatura, pode ser necessário recorrer a
terapia da fala para a criança aprender a controlar os músculos da cavidade
oral. Os grupos musculares principais podem ter o seu desenvolvimento
comprometido pelas fraturas recorrentes. É comum haver dor articular na região
lombar e ancas devido a hiperlaxidez articular, bem como alguma dificuldade na
sustentação da cabeça.
Complicações auditivas
Cerca de 50% dos
doentes tem uma perda significativa da função auditiva. Pode ocorrer por
defeito de condução, neurosensorial, ou misto (27). Geralmente é bilateral e
manifesta-se entre a primeira e quarta década de vida. Estudos moleculares
revelaram que a perda de audição ocorre independentemente do tipo da doença ou
da mutação genética presente (28). Na maioria dos casos, o défice auditivo é
detetado apenas ao exame audiométrico realizado durante a infância ou
adolescência. Estudos demonstraram que cerca de 5% das crianças testadas,
apresentaram uma perda de audição de 20dB (29). Os mecanismos que levam á perda
da função auditiva ainda não estão bem esclarecidos, no entanto, pensa-se que a
perda neurosensorial seja consequência da atrofia das células ciliadas
cocleares, da estria vascular e ainda da formação anormal de osso na cóclea e
estruturas adjacentes. A perda da função de condução está frequentemente
associada a fixação do estribo, ou a presença de fraturas nos ramos do estribo
e ainda hipervascularização da mucosa (30).
Complicações pulmonares e cardiovasculares
As manifestações
extraesqueléticas nos sistemas respiratório e cardiovascular são a maior causa
de morbilidade e mortalidade diretamente relacionada com a OI (31). As
principias causas de morte são a insuficiência respiratória ou pneumonia.
Geralmente os doentes apresentam cifoescoliose (Fig. 12), colapso vertebral,
alterações da caixa torácica como pectus excavatum ou carinatum, e ainda
fraturas das costelas, que contribuem para doença pulmonar restritiva (22).
No entanto, foi
sugerido que nem sempre as complicações cardiopulmonares surgem secundárias a
alterações do esqueleto, mas que podem ser também derivadas de alterações do
tecido devido as mutações do colagénio, que causariam hipoplasia 20 pulmonar,
presente em alguns doentes, embora ainda não esteja esclarecido qual o seu
mecanismo (32,33,34). As características a nível do esqueleto, bem como a
inatividade associada a mobilidade restringida a cadeira de rodas, predispõem
estes doentes a múltiplas pneumonias. Este atingimento pulmonar pode evoluir
para cor pulmonale numa fase mais avançada da doença (35). Achados
cardiovasculares incluem insuficiência valvular, que se manifesta mais
frequentemente por dilatação da raiz da aorta em adultos, e é também responsável
pela ocorrência de regurgitação aórtica. Estão também descritos defeitos no
septo atrial e espessamento da parede ventricular esquerda (36,37)
Complicações neurológicas
Várias alterações
neurológicas são comuns na OI, incluindo macrocefalia, hidrocefalia,
siringomielia e invaginação basilar. Entre os 2 e 3 anos de idade, a
circunferência cefálica pode rapidamente ultrapassar as linhas dos percentis
para a idade. A invaginação basilar é rara, e ocorre geralmente em doentes com
OI severa, mas as suas consequências são devastadoras. É causada pela
instabilidade do ligamento cranio-cervical ao nível de C1-C2, resultando em
compressão da medula com progressiva tetraparesia e perturbações respiratórias
(22). Progride lentamente durante a infância, e evidências radiológicas podem
ser encontradas anos antes do aparecimento de sintomas. Também pode ocorrer
Platibasia, que consiste no achatamento da base do crânio que produz
estiramento dos nervos inferiores do crânio. As crianças devem ser rastreadas a
cada 2 ou 3 anos por tomografia computorizada (TC), e seguidas anualmente por
ressonância magnética (RM) caso exista evolução dos sinais radiográficos de
invaginação basilar. Os sinais clínicos típicos desta complicação são
cefaleias, disfagia, ataxia, vertigens, náuseas, nistagmo, alterações da
sensação ao nível da face, e se não foram tratados, podem rapidamente progredir
para um declínio neurológico (38,39).
Complicações Ortopédicas
No doente com OI,
há um estímulo aumentado á síntese óssea durante a fase de crescimento. As
moléculas produzidas são defeituosas e ficam retidas no RE em vez de serem
libertadas para o citoplasma. Isto leva a uma hiperestimulação que parece levar
a um esgotamento das células tronco, resultando em diminuição do número dos
osteoblastos na superfície óssea. Entretanto a matriz óssea anormal continua a
estimular os osteoclastos numa tentativa de reabsorver e eliminar o tecido
defeituoso. Verifica-se então uma anulação da produção aumentada do tecido
ósseo, causando assim um crescimento lento e insuficiente com variáveis graus
de osteopenia em relação ao esperado para sexo e idade. Após a puberdade,
quando cessa o estímulo para o 21 crescimento linear, a produção de colagénio
tem como objetivo apenas a remodelação. Nesta fase há uma visível melhoria da
fragilidade óssea com aumento da massa óssea e redução da taxa de fraturas
(26). A idade da primeira fratura e a sua frequência varia muito entre os
doentes. Geralmente quanto mais cedo ocorre a primeira fratura mais severa será
a doença. As fraturas são mais frequentes nos ossos longos, sendo o fémur o
mais afetado. A maior parte das vezes ocorrem na convexidade do osso. Quase
sempre existem múltiplas fraturas no mesmo osso (58). É importante instruir as
mães ou cuidadores a manipularem e transportarem os doentes.
Diagnóstico
O diagnóstico de
OI geralmente é feito através de critérios clínicos. Uma anamnese completa e um
exame físico atento permitem diagnosticar a maioria dos casos. É importante
avaliar os antecedentes familiares inquirindo acerca de fraturas, perda de
audição, DI, altura dos adultos, background racial e consanguinidade. O exame
físico inclui a medidas de comprimento e circunferência cefálica, bem como as
proporções dos vários segmentos. A presença de fraturas, escleróticas azuis e
DI, bem como outras características já descritas é suficiente para estabelecer
um diagnóstico. Nem sempre estes sinais são óbvios ou surgem associados, sendo
necessário excluir outras patologias que podem confundir-se com a OI. O
diagnóstico diferencial varia com a severidade da doença e com a idade do
doente. Na ultrassonografia (US) pré-natal, uma OI severa pode ser confundida
com Displasia Tanatofórica, Acondrogéne tipo I, Displasia Campomélica, pois em
todas pode existir macrocefalia e membros curtos. Posteriormente, outros
diagnósticos diferenciais importantes incluem casos de abuso doméstico, que
geralmente se encontra associado a equimoses ou hematomas, défices
nutricionais, metástases ósseas, neoplasias, Leucemia, Osteoporose Idiopática
Juvenil, Doença de Menkes, Síndroma de Bruck, Síndroma de Cole-Carpenter,
Síndrome de Ehlers-Danlos, Acondroplasia (22,35,40). Os exames laboratoriais de
rotina, como o doseamento sérico de cálcio, fosforo, fosfatase alcalina e
hormona paratiroideia, geralmente encontram-se dentro dos valores normais. Eles
são uteis para excluir outras patologias ósseas de origem metabólica. Os
achados histológicos da biopsia óssea incluem quase sempre uma largura do
córtex reduzida e trabéculas ósseas mais estreitas e em menor número do que o
normal. Os exames auxiliares de diagnósticos disponíveis incluem o Raio-X. Com
radiografia simples dos ossos longos nas incidências anteroposterior (AP) e
perfil para evidenciar 22 fraturas, calos ósseos ou deformidades (Fig. 13),
encurtamento dos ossos longos, osteopenia.
A Radiografia
panorâmica da coluna em AP e perfil para evidenciar a escoliose e compressão
vertebral. A radiografia simples do crânio em perfil para demonstrar a presença
de ossos wormianos e outras alterações características da doença.
A Densitometria
Óssea em doentes com fraturas permite identificar a densidade mineral óssea
como causa das fraturas, embora esta nem sempre esteja diminuída nos doentes
ligeiros. Pode também ser útil na avaliação do desenvolvimento esquelético de
crianças, alterações durante a menopausa, o efeito das lesões, o risco para
fraturas, e ainda a resposta aos tratamentos. Apesar de caro, é um exame fácil,
seguro, não invasivo, a exposição a radiação é baixa, e quase sempre está
disponível. Deve ser efetuada apenas anualmente, uma vez que as alterações da
massa óssea ocorrem lentamente mesmo em doentes (41). A Tomografia
Computorizada (TC) e Ressonância Magnética (RM) não são geralmente utilizadas
como auxiliares de diagnóstico, mas sim para avaliar as complicações da doença
como a invaginação basilar, e compressões medulares. Com evidências claras
obtidas através da clínica e imagiologia, a confirmação do diagnóstico é feita
através de testes laboratoriais. Testes bioquímicos e moleculares permitem
estudar qualitativamente e quantitativamente o colagénio produzido. A biópsia
23 de pele é necessária para efetuar testes bioquímicos que evidenciam defeitos
moleculares do procolagénio tipo I, através de culturas de fibroblastos que são
incubados com aminoácidos radioativos, produzem procolagénio que posteriormente
é analisado por eletroforese em gel. Amostras de sangue ou saliva são
necessárias para testes moleculares que permitem estudar o ADN para pesquisa de
mutações tanto para as formas dominantes como para as formas recessivas. A
análise molecular inclui sequenciamento do ADN, pesquisa de mutações, deleções
ou duplicações nos genes COL1A1 e COL1A2 seguidos dos restantes genes
implicados nas formas recessivas da doença. Estes estão disponíveis apenas em
laboratórios especializados e são pedidos pelo geneticista (40).
O diagnóstico
pré-natal (DPN) permite detectar a doença in útero, e é útil para casais em que
um dos dois é afetado, ou que já tenham tido pelo menos um filho com a doença,
ou ainda um familiar com a doença. O aconselhamento genético é importante para
definir qual o melhor método para o diagnóstico, bem como na tomada de decisões
pelo casal relativamente a futuras gestações, sendo em alguns casos dificultado
pela incerteza em relação à forma de hereditariedade (20). O estabelecimento de
um DPN não obriga á interrupção da gravidez, mas permite tomar medidas de
precaução durante a gestação e parto. Existem três métodos para DPN, no entanto
nem todos estão sempre disponíveis. Cada gravidez deve ser avaliada
individualmente para decidir qual dos métodos será mais útil a cada caso. A
ultrassonografia (USG) pode ser efetuada entre a 14ª e 18ª semana de gestação,
e diagnosticar casos de OI severa. É o procedimento menos invasivo, e portanto
o que acarreta menos riscos. No entanto, em formas ligeiras da doença podem não
ser visíveis alterações no feto, e ainda há a possibilidade de outras
patologias com uma apresentação semelhante, dificultem o correto diagnóstico,
portanto outros exames podem ser necessários para a sua confirmação.
Recentemente foi efetuado um estudo na Tailândia em que se concluiu que a USG
em 3D é mais precisa que a 2D, pois permite ter uma visão mais real e detalhada
do feto, detectando alterações que passam despercebidas nas imagens a 2
dimensões. Esta pode vir a ser uma ferramenta preciosa no DPN (42). Uma amostra
das vilosidades coriónicas pode ser obtida entre a 10ª e 14ª semanas de
gestação, com um risco de abortamento de 1%, permite testar as células das
vilosidades coriónicas através de testes bioquímicos e moleculares (43,44). A
amniocentese pode ser feita entre a 14ª e 18ª semanas, com um risco de
abortamento de 1 em 200, permite testar as células fetais presentes no líquido
amniótico, através de testes moleculares, mas não bioquímicos, pois
verificou-se que os amniócitos produzem cadeias α1 em excesso, estas formam
homodímeros que podem resultar em resultados falsos positivos (45). Os últimos
dois são testes invasivos, e são úteis para pesquisa de defeitos no colagénio
ou mutações genéticas no caso de casais 24 que já tenham a mutação
identificada. O DPN através de estudos radiológicos maternos que costumava ser
indicado na 20ª semana de gestação, está atualmente em declínio face ao
aparecimento da ultrassonografia. Por outro lado é útil para confirmação
radiológica dos achados da USG servindo como um suporte diagnóstico. A
fetoscopia utilizada em outras épocas está atualmente em desuso face ao alto
risco bem como a sua baixa eficiência. A decisão se o parto será vaginal ou por
cesariana é individual e dependente de cada caso no que diz respeito as
condições da grávida e do feto. É sabido que existem riscos num parto em que a
mãe ou o feto ou ambos são portadores de OI., ortanto os riscos devem ser
avaliados por uma equipa multidisciplinar (46). Segundo a Osteogenesis
Imperfecta Foundation (OIF) não é possível inferir qual dos dois é mais eficaz,
pois não existem evidências de que a cesariana tenha melhores resultados do que
o parto vaginal (47). O diagnóstico pré-implantação (DPI) com a intenção de
interrupção da gravidez ou a seleção de embrião, também é possível através da
técnica de PCR (48).
Tratamento
A OI é uma
patologia para a qual ainda não existe cura. Os tratamentos atuais visam a
prevenir e tratar fraturas, prevenir e corrigir deformidades e contraturas
resultantes da posição, aumentar a força muscular e movimentos articulares,
reduzir a fragilidade óssea aumentando a densidade óssea, corrigir o
alinhamento incorreto dos membros inferiores e desenvolver estratégias
compensatórias, melhorar a capacidade psicomotora e do desenvolvimento das
crianças, minimizar a dor e maximizar a mobilidade e independência dos doentes,
com consequente melhoria da qualidade de vida. Estão disponíveis três tipos de
tratamento que incluem tratamento médico, cirúrgico e farmacológico.
A doença afeta não
só o indivíduo, mas também a sua família. O grau de mudança de vida provocado
pelo aparecimento da doença depende da sua severidade e da presença de outros
membros da família também afetados. É importante compreender os aspetos
psicológicos e sociais da OI bem como a forma como estes podem influenciar o
doente e a família. O terapeuta ocupacional, através dos seus conhecimentos e
recursos, atuará na adaptação ao ambiente, na orientação familiar quanto à
manipulação da criança e seu condicionamento físico, e promoverá a máxima
independência das atividades de vida diária, como vestir, alimentar, tomar
banho, estudar e brincar. O terapeuta aplicará diversas atividades construtivas
simulando situações de vida normal ou trabalho normal, prestando assistência
nas incapacidades físicas, psíquicas e sociais 25 e minimizando-as ao longo do
tratamento. Com a intervenção da equipa multidisciplinar, procura-se diminuir a
baixa autoestima e depressão das doentes, promovendo uma melhoria na qualidade
de vida e encorajando nas crianças o desenvolvimento intelectual e acadêmico.
O tratamento
médico é feito através de terapias de reabilitação, fisioterapia, atividade
física e utilização de suportes ortopédicos. É importante minimizar o tempo de
imobilização dos doentes durante o período de recuperação de fraturas, pois
esta acarreta uma perda de massa muscular, de densidade óssea e deterioração da
função cardiovascular, levando a um ciclo vicioso de fratura, imobilização,
osteoporose, refratura, que tem de ser evitado. Por este motivo é também
aconselhada terapia de reabilitação e fisioterapia durante o período de cura de
fraturas, antes e após a alta hospitalar (49). Deve ser feita com ajuda de
pessoal especializado. Uma opção com bons resultados é a natação e exercício
feitos dentro de água, pois esta permite a movimentação com menor dor,
aumentando a força muscular e melhorando a função respiratória (50). Um estudo
concluiu que a utilização da plataforma vibratória em crianças e adolescentes
imobilizados ajuda a aumentar a densidade óssea, aumentar a força muscular e
flexibilidade (51). Doentes com alterações da caixa torácica podem necessitar
de ventilação auxiliar. É importante que a função pulmonar seja avaliada com
alguma frequência desde a infância, pois uma manutenção precoce da doença
pulmonar, feita com broncodilatadores, pode atrasar ou até mesmo impedir a
necessidade crónica de oxigénio.
O tratamento
cirúrgico é da máxima importância na melhoria do prognóstico. No tratamento das
fraturas, estão disponíveis várias modalidades cirúrgicas e material disponível
que tem de se adequar a cada situação tendo em conta os riscos cirúrgicos
comuns a todas as cirurgias e riscos específicos inerentes á condição do
doente, nomeadamente a fragilidade cervical durante a intubação. É importante
ter em conta que o osso cortical se encontra diminuído na OI, e que durante a
recuperação é aconselhado minimizar o tempo de imobilização. As fraturas são
abordadas conforme a condição do doente e a decisão do tratamento tem de ser
feito para cada doente individualmente. O tratamento de fraturas pode ser
conservador ou cirúrgico. O tratamento conservador inclui a redução fechada e
imobilização com utilização de gesso ou tração cutânea/esquelética. No entanto
é desaconselhado devido ao longo período de tempo necessário para a
recuperação, sendo mais utilizada em fraturas dos membros superiores. O
tratamento cirúrgico inclui redução fechada ou aberta, osteotaxia, osteossíntese
com fixação interna ou externa utilizando cavilhas, placas e parafusos (52). O
método mais referido na literatura é a colocação de cavilhas intramedulares
(Fig. 14).
São colocadas
muitas vezes após realização de osteotomia, e são frequentemente utilizadas em
doentes com OI. O procedimento de osteotomia seguida de colocação de cavilha
endomedular é chamado de Operação de Sofield-Millar. Existem vários tipos de
cavilha, adequadas ao tamanho do osso e a possibilidade do seu crescimento. As
cavilhas podem ser não telescópicas ou telescópicas. As últimas alongam-se
progressivamente de acordo com o crescimento dos ossos e não necessitam,
portanto de substituições periódicas. Está demonstrada a redução na frequência
de fraturas, e eficácia na prevenção e correção de deformidades. Um estudo
retrospetivo realizado no serviço de Ortopedia do Hospital Dona Estefânia,
mostra que esta intervenção é mais frequente no fémur e tíbia, que a colocação
das cavilhas telescópicas antes dos 3 anos e meio de idade melhora o
desenvolvimento psicomotor. A complicação major é a migração da cavilha. No
caso de novas fraturas, as cavilhas impedem o desalinhamento e diminuem o tempo
de cura e a necessidade de talas ou gesso (53,54). Recentemente, o
aperfeiçoamento das técnicas permitiram melhorias nos resultados, como se
verificou na Operação de Sofield-Millar que foi modificada ao longo dos anos
(55,56, 57). Em crianças muito jovens ou cujo estado geral não permita um
procedimento cirúrgico complexo, 27 estão disponíveis procedimentos menos
invasivos como a colocação de cavilha não telescópica percutânea (58). Uma
intervenção precoce com a utilização de colar cervical para suporte da região
ocipitocervical pode atrasar o aparecimento de invaginação basilar (59). Esta
pode ser reduzível, em 40% dos casos, ou não reduzível, em 60% dos casos. O
tratamento consiste em descompressão da fossa posterior ou fusão
ocipitocervical no caso de invaginação basilar reduzível, enquanto a não
reduzível é tratada por descompressão transoral, transpalatofaringea ou
endoscópica transnasal (60). Apesar de a descompressão apresentar bons
resultados, a invaginação basilar irá progredir em 6 anos após a cirurgia, em
80% dos casos (61). A escoliose também pode ter a sua progressão minimizada ou
até ser diminuída se for estabilizada precocemente através de suportes
ortopédicos, permitindo melhorias da função respiratória e diminuição da dor.
Se a progressão ainda assim persistir, deve ser considerada a abordagem
cirúrgica, e no caso de doentes com ligeira diminuição da massa óssea, o
tratamento é idêntico ao efetuado na escoliose idiopática. A artrodese tem
apresentado bons resultados em casos de curvaturas ligeiras, e posterior
estabilização da coluna vertebral recorrendo a suportes ortopédicos, como cinta
ou colete (62,63). Nos casos em que a escoliose é severa, tem-se verificado que
um período de tração esquelética anterior á cirurgia melhora os resultados
desta (64). Algumas crianças podem necessitar de aparelhos auditivos. É
recomendado que seja efetuado o rastreio auditivo periodicamente, em crianças
com OI. A intervenção cirúrgica pode ser necessária se os aparelhos não
cobrirem o défice auditivo. A estapedectomia tem apresentado bons resultados,
no entanto não é aconselhado efetuar esta cirurgia por rotina, uma vez que a
fragilidade dos ossos do ouvido é responsável por uma grande percentagem de
casos em que os resultados não são satisfatórios a longo termo. Esta cirurgia
corrige o defeito de condução, mas na OI a maior parte dos casos são uma
combinação de defeito de condução e neurosensorial, sendo que a ultima se
instala progressivamente, há casos em que as melhorias da estapedectomia são
apenas temporárias. Nestes casos, o aparelho auditivo será suficiente para
corrigir o défice auditivo neurosensorial (65,66). Estão descritos alguns casos
de inserção de implantes cocleares, com bons resultados a curto termo, no
entanto os dados são limitados no que diz respeito a melhorias na audição a
longo termo. É uma cirurgia desafiante devido á hipervascularização da mucosa
do ouvido médio, mas permite a recuperação da audição em doentes com surdez
neurosensorial profunda (67). Os riscos deste procedimento incluem o mal
posicionamento dos eletrodos, com posterior complicação associada a estimulação
do nervo facial (68,69).
O tratamento
farmacológico deve sempre fazer parte de um plano terapêutico em conjunto com
as modalidades atrás mencionadas. Até agora inúmeros tratamentos foram
sugeridos, mas nenhum mostrou resultados comprovados no controle da doença.
Substâncias como Fluoreto de Sódio, Óxido de Magnésio, Calcitonina e Vitamina D
foram utilizados mas os estudos efetuados não são concordantes nos resultados,
sendo a eficácia questionável. Foram propostos tratamentos com Hormona do
Crescimento (GH), que aumenta a produção de colagénio tipo I a partir da
observação de que na puberdade ocorre uma diminuição na incidência de fraturas,
ocorrendo um aumento das mesmas após a menopausa. Os valores do Fator de
Crescimento tipo Insulina (IGF)-I e do seu ligando (IGFBP)-3, geralmente
encontram-se dentro dos valores normais e são raros os doentes com deficiência
da GH (70). Ainda assim, estudos foram efetuados para verificar a resposta dos
doentes ao tratamento com GH recombinante (rGH), e apenas alguns doentes
obtiveram resposta positiva, com aumento da formação de tecido ósseo sendo na
maioria doentes do tipo IV. Os doentes do tipo III não responderam ao
tratamento, sugerindo que o aumento da reabsorção óssea excedeu a capacidade
dos osteoblastos sintetizarem matriz óssea. (71). Os BP como o Pamidronato, tem
sido utilizados com muito bons resultados a curto prazo, no que diz respeito ao
aumento da densidade óssea, e são na realidade o único fármaco aprovado para o
tratamento da OI (Fig. 15).
No entanto os seus
benefícios a longo prazo ainda não estão comprovados, sendo que alguns autores
defendem que em última análise, este tratamento não diminui o número de
fraturas dos ossos longo (72). A forma de administração preferencial é a
intravenosa cíclica, uma vez que a absorção gastrointestinal não é uniforme
(73,74) Os doentes que mais beneficiam desta terapia são as crianças abaixo de
2 anos de idade, visto que é neste período da vida que ocorre crescimento e
desenvolvimento mais rápidos (75). A dosagem adequada ainda não está
estabelecida. Alguns efeitos não desejados estão associados ao seu uso
prolongado, como a diminuição do osso cortical, aumento do período de cura pós
osteotomia, e ainda osteonecrose mandibular (76). Alguns autores sugeriram que
a administração de agentes que promovem a produção, como a GH, em combinação
com agentes de diminuem a reabsorção óssea, como os bifosfonatos (BP), pode ser
uma grande aposta no tratamento da OI (77). Suplementos nutricionais á base de
cálcio e vitamina D, não reúnem consenso como sendo uma boa estratégia na
prevenção de fraturas e melhoria do estado geral do doente.
Novas terapêuticas
para o futuro incluem o Transplante da Medula Óssea (TMO), em que são
transplantadas células tronco com a capacidade de diferenciação em
osteoblastos, bem como o transplante de células estromais que produzem fatores
de crescimento ósseo. Já foi testada em humanos e murinos com bons resultados,
necessitando ainda de muita investigação (78,79,80). Desenvolver uma terapia genética
para a OI é complicado dada a heterogeneidade da doença, no entanto estão em
curso diversos estudos neste sentido. Ela baseia-se na supressão do alelo
mutante utilizando ribozimas e oligonucleótidos nonsense (81,82).
Prognóstico
O prognóstico varia
muito entre doentes, depende do tipo de OI, da severidade da doença e dos
tratamentos disponíveis. O tipo I é o mais comum, e a esperança média de vida
destes doentes é a normal, e a sua qualidade de vida pode ser elevada se
tiverem um bom acompanhamento e tratamento adequados. O tipo II é a forma mais
severa e letal. Se sobreviverem ao parto, os recém-nascidos geralmente morrem
nos primeiros 2 meses de vida. Existem casos que chegaram a completar um ano de
vida, acabando por morrer por insuficiência respiratória ou pneumonias
múltiplas. O tipo III é também uma forma severa que apesar de geralmente ter
uma esperança de vida algo diminuída, os doentes tem uma qualidade de vida
bastante reduzida devido as fraturas recorrentes desde muito cedo e pouca independência,
necessitando muitas vezes de cadeiras de 30 rodas. O tipo IV pode ser moderado
a severo, é muito semelhante ao tipo I, embora muitos doentes necessitem de
auxiliares de marcha, a sua esperança de vida é normal. A abordagem terapêutica
tem de ser feita por uma equipa multidisciplinar, e varia muito de doente para
doente uma vez que a OI apresenta uma grande variabilidade de fenótipos. Esta
equipa multidisciplinar pode incluir fisioterapeutas, enfermeiros, médicos de
família, pediatras, ortopedistas, endocrinologistas, dentistas, cirurgiões,
psiquiatras, psicólogos, terapeutas da fala e professores.
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