Notas do Dr. Emilio Roldán sobre Osteogênesis Imperfecta
Estas notas a respeito do modo pelo qual se dá o processo da
Osteogênesis Imperfecta nos ossos foram postadas pelo Dr. Emilio Roldán na
lista de Osteogênesis, administrada por Maria Barbero. Ele autorizou que eu traduzisse seu texto para o português, a fim de divulgá-lo no
Brasil.
Qualquer problema advindo de eventuais erros que possam gerar uma
má
compreensão do texto deve ser atribuída exclusivamente a mim Ao
Dr. Roldán,meu muito obrigada. Rita Amaral
"Olá a todos,
Nas últimas semanas estive lendo as mensagens de todos vocês,
certamente comovedoras, e me parece q posso contribuir modestamente, enviando informação geral. Para
isto, estou preparando para vocês algumas notas que pouco a pouco irei distribuindo.
A questão de informação me preocupa especialmente, porque a O.I.
é uma enfermidade muito rara, cujo conhecimento é pouco difundido, e ele compromete um bom diagnóstico e tratamento. Vocês devem ter
notado, nesta rede mesmo, que uma mesma pergunta pode receber opiniões diversas.
Não é preciso desanimar. É preciso organizar-se.
Bem, aqui vai a primeira nota, com meus melhores desejos.
Nota I.
Que benefício se pode obter como pamidronato em O.I.?
O pamidronato é um medicamento que se utiliza já ha alguns anos
para tratar varias enfermidades dos ossos. Entre elas a osteoporose, que é uma predisposição maior que têm certas pessoas a sofrer fraturas
espontaneamente ou diante de pequenos golpes. Pertence [o pamidronato] à família de produtos conhecidos como
bisfosfonatos.
A Argentina foi o primeiro país do mundo a obter esta medicação,
em 1987, e também foi possível consegui-la muito cedo na Holanda, razão pela qual ambos os países possuem muita experiência nos tratamentos com
pamidronato.
Em outros países, estes produtos não estão disponíveis ou existem
alguns similares de aparecimento muito recente, razão pela qual a
informação que os médicos têm sobre estes medicamentos é muito desigual. Nos
Estados Unidos, por exemplo, só se dispõe de injetáveis, motivo pelo qual
os médicos de lá não têm experiências com os comprimidos que se toma
por via oral. De modo que não se deve estranhar que alguns médicos não os
conheçam bem ou não compreendam suas propriedades, ou até mesmo que o
confundam com preparações distintas.
Também deve-se compreender que alguns experts em ossos e em
bisfosfonatos não têm experiência certa em O.I., o que não é de estranhar,
devido à raridade da O.I., e por isso é provável que não conheçam
especificamente o uso de pamidronato em O.I., ainda que utilizem esse tipo de
medicação em muitas outras indicações.
O pamidronato tem a propriedade de “grudar-se” ao osso e de não
acumular-se em nenhum tecido brando (coração, rim, pulmão, fígado, cérebro, etc.).
Todo o pamidronato que não se depositou no esqueleto é eliminado
do
organismo poucas horas depois de ter sido injetado ou tomado por boca. Por isso, é uma medicação considerada muito segura pelas autoridades sanitárias, já que é difícil que provoque mal estar secundário (em
outra nota lhes falarei sobre os
efeitos adversos e como evitá-los).
No osso, o pamidronato se concentra nos locais de destruição ou
troca do mineral e paralisa a célula que literalmente come o osso (e que se
chama osteoclasto). O pamidronato não afeta adversamente a célula que mineraliza o osso (e que se chama osteoblasto). Pelo contrário, estudos muito
recentes indicam que até poderia melhorar a vitalidade da mesma. O bem conhecido é que, ao cabo de certo tempo de tratamento, consegue-se
alcançar um balanço positivo a favor do aumento de mineral em todo o esqueleto. Por
isso o osso se calcifica mais e se pensa que isso ajuda a torná-lo mais forte.
Mas a questão não é tão simples e em conseqüência, os resultados podem
variar.
Como veremos, o tipo de O.I, o tipo de metabolismo ósseo, o
período de crescimento do paciente, o grau de mobilidade do mesmo, sua
alimentação etc. são fatores que fazem com que a experiência com pamidronato
em uma criança não seja igual à de outra.
Para entender isto um pouco melhor, é preciso explicar como
funcionam os ossos na O.I. e como se pensa que ajuda em cada caso o
pamidronato. Penso que o seguinte pode lhes interessar saber:
A O.I. tem três problemas ósseos que devem ser resolvidos. Dois
são de natureza metabólica e um de tipo estrutural.
1. O primeiro problema metabólico é que o osso da pessoa com O.I.
fabrica uma matriz de pouca qualidade e por isso os cristais não se aderem
em quantidade e forma suficiente. Podemos imaginar o osso na O.I.
como se fosse uma parede cujo cimento é muito brando e torna difícil a
adesão firme dos ladrilhos. Portanto tem baixa densidade mineral (poucos
ladrilhos).
2. O segundo problema metabólico é que no interior do esqueleto
existe um sistema sensor que serve para adequar a qualidade dos ossos
às forças a que são submetidos (por exemplo a sustentar o próprio peso do
corpo). Quer dizer que, por este mecanismo, normalmente se constrói “uma
parede” de força exata para o uso que se lhe dá. Na O.I. este sistema (chamado mecanostato) se d conta de
que a matriz mineral é pobre e trata de trocá-la por uma nova. Mas
a nova volta a ser pobre. E ela é trocada outra vez e outra vez. Este processo termina por desgastar ainda mais a
matriz mineral, fazendo-a perder cálcio (em medicina, chamamos este processo de “recâmbio metabólico elevado” e os médicos o
identificam medindo
produtos bioquímicos do osso nas análises de urina ou sangue).
3. O problema de estrutura. Ao mineralizar o osso durante o
crescimento, a matriz óssea bem calcificada pode fazer funcionar bem seu
mecanostato e por ação dos músculos que movem o osso este se desenvolve e adquire
força progressivamente. As crianças com O.I. têm uma matriz com pouco
cálcio e que metabolicamente pode se “mover” muito. Nestas condições a
atividade do mecanostato não pode ser aproveitada para formar um osso forte
(uma boa parede). E portanto, esta
estrutura não resiste às forças que se aplicam
sobre ele [osso]. Assim acontecem as fraturas. Como se vê, a O.I.
é um ciclo vicioso de problemas metabólicos e de estrutura.
Se puderam seguir a explicação anterior, agora vou comentar com
vocês como se pensa que atua o pamidronato e logo lhes resumirei quais são os
efeitos clínicos que realmente se certificou até o momento.
Ao inibir o osteoclasto (a célula comedora de osso), o pamidronato
freia todo o processo de contínua substituição de matriz mineral. Isso ja
acontece desde a primeira injeção ou a primeira cápsula que se tome. Com isso corrige o problema
metabólico #2. Sob os efeitos do pamidronato, a substituição do osso é mais moderada e dá chances de que se possa
evitar a perda de cálcio. Com o tempo, também se ganha mineral compensando
(ainda que sem corrigir) o problema metabólico #1. Ao ter o metabolismo controlado, e a matriz
mineral melhor mineralizada por efeito do pamidronato, pensa-se que o mecanostato pode chegar a reagir
melhor.
Se se aproveitar o tratamento com pamidronato para simultaneamente
mover os músculos desde dentro (pela medicação) e desde fora (a vontade do
próprio paciente) isto ajudará a
construir um osso cada vez mais forte.
Pelos motivos acima comentados se está administrando pamidronato na O.I. O medicamento não cura, mas controla em parte o metabolismo de modo
a ajudar o osso a se tornar mais resistente a fraturas.
As primeiras crianças com O.I.foram tratadas na década de 80, com
pamidronato oral. Ali se demonstrou que efetivamente este composto
aumenta a densidade mineral dos ossos, não afeta o crescimento, as
vértebras aumentam de tamanho, controla o metabolismo de substituição e a
perda de cálcio dos ossos. Alguns investigadores crêem que se produz uma
tendência a sofrer menos fraturas mas não o podem certificar porque, para
isso, seria necessário estudar muitos casos. Fica pendente a questão sobre se
o osso se fortalece realmente ou não.
Em algumas poucas crianças,
fizemos estudos com técnicas mais sofisticadas (tomografía quantitativa) e comprovamos que a mineralização que o pamidronato produz é boa, embora a resistência do osso não melhore
na mesma proporção, porque continua sendo pobre o fator estrutural. É claro
que este não pode ser melhorado simplesmente por uma medicação. Sem
embargo, a expectativa de produzir melhoras na resistência pode crescer significativamente ao se combinar tratamentos de pamidronato com
exercícios físicos programados. Isso
quer dizer que no presente, não se pode afirmar
que o pamidronato evitar 100% das fraturas, mas que melhoram as
condições do osso para que as fraturas não sucedam. Pode-se dizer que
estamos caminhando mas que ainda não atingimos o objetivo."
Numa próxima nota comentarei com vocês sobre os efeitos colaterais
e
contra-indicações. Também incluirei citações bibliográficas para
que possam consegui-las e fazê-las chegar a seus médicos. Já conhecem a
recente publicação de Horacio Plotkin, que até o momento é a mais
completa.
Informar-se, em O.I, é a
chave (também estou preparando para vocês uma nota de como informar-se sem confundir-se).
Até breve.
Dr. Emilio J.A. Roldán "Gador S.A. - Dirección Médica"