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Revista Brasileira de Ortopedia - Vol. 37, Nº 8 - Agosto, 2002.

Written By Fatima Santos on quarta-feira, 2 de maio de 2018 | 07:21


Revista Brasileira de Ortopedia - Vol. 37, Nº 8 - Agosto, 2002.


.Osteogenesis Imperfecta.: novos conceitos

Marcelo Camargo de Assis1, Horácio Plotkin2 , Francis H. Glorieux3, Cláudio

Santili4


RESUMO

Os autores analisam de forma abrangente aspectos da Osteogenesis Imperfecta, dando ênfase às características clínicas, epidemiológicas, formas de classificação e tratamento da doença. Trata-se de uma atualização com novos conceitos sobre a afecção, tornando-se importante para o conhecimento não só de pediatras e ortopedistas como também de outros profissionais envolvidos com o problema. O artigo foi realizado conjuntamente entre o Departamento de Genética do Shriners Hospital for Children de Montreal e o Grupo de Ortopedia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, sendo relatadas a experiência clínica do grupo de Montreal e a experiência cirúrgica do Grupo de Ortopedia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Unitermos . Osteogênese Imperfeita; classificação; tratamento; epidemiologia


INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, numerosos conceitos sobre a Osteogenesis Imperfecta (OI) têm mudado significativamente. A enfermidade deixou de ser considerada como .uma alteração nos genes que produzem o colágeno, que clinicamente se classifica em quatro tipos, para a qual não há tratamento médico., e passa a ser compreendida como um fascinante conjunto de alterações genéticas, passível de ser classificado em pelo menos oito formas diferentes, e com alentadoras perspectivas em relação à terapêutica. Os últimos avanços na investigação dessa enfermidade devem ser conhecidos por pediatras e ortopedistas, uma vez que hoje em dia existe a possibilidade de melhorar a qualidade de vida dos portadores dessa doença. Além disso, a Osteogenesis Imperfecta é freqüente diagnóstico

diferencial nos casos de suspeita de maus tratos nas crianças(1,2). Portanto, o pediatra e outros profissionais que trabalham com crianças devem estar preparados para reconhecer as características dessa enfermidade.


ETIOLOGIA

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No que se refere à etiologia, ainda é possível encontrar em livros-texto o conceito de que a OI é enfermidade causada por mutações nos genes que produzem o colágeno, e que estes genes se localizam nos cromossomos 7 e 17(3,4). Contudo, a utilização de técnicas para a análise do DNA
tem permitido constatar, em numerosas ocasiões, a existência de pacientes que, apesar de

clinicamente diagnosticados como portadores de OI, não apresentam mutações nos genes que codificam a produção do colágeno(5). Tal é o caso dos pacientes que sofrem a chamada Osteogenesis Imperfecta com formação de calos hipertróficos(6), a Osteogenesis Imperfecta com pseudoglioma, assim como aqueles com OI rizomélica(7). Neste último grupo, utilizando técnicas de linkage,

conseguiu-se localizar a alteração genética no braço curto do cromossomo 3, onde não existem genes que codificam a produção do colágeno(8). Outro dado interessante nesse grupo de pacientes, que provêm de uma tribo indígena de Quebec, é que a enfermidade se transmite de forma recessiva(8),

enquanto a maioria dos casos de OI são de mutações recentes, ou resultantes da transmissão dominante em família afetada(9). Outras exceções a essa regra são a OI com pseudoglioma, que também se transmite na forma recessiva(10,11), e alguns casos de OI descritos na África do Sul(12).

Diante desses fatos, preferimos definir a OI como uma .enfermidade dos ossos frágeis., que não pode ser considerada como secundária a qualquer outra condição conhecida.


CLASSIFICAÇÃO

Atualmente, os pacientes de OI são classificados segundos os critérios de Sillence et al, da Austrália, publicados em 1979(13). De acordo com essa classificação, a OI do tipo I inclui pacientes com formas leves, estatura normal, poucas fraturas, sem grande deformação dos ossos longos nem Dentinogenesis Imperfecta, O tipo II é o mais grave e, na sua grande maioria, os pacientes falecem no período perinatal. O tipo III é o típico caso que aparece nos livros, de pacientes afetados em grau moderado a grave, fácies triangular, baixa estatura, deformidade dos ossos longos e Dentinogenesis Imperfecta. Os restantes dos pacientes são classificados como tipo IV. Este último grupo é sumamente heterogêneo, variando não só na gravidade, como também nas características

clínicas. Entretanto, não há consistência na literatura sobre as características dos diferentes tipos de OI .clássicos., sendo que diferentes membros de uma mesma  família podem apresentar diferentes graus de acometimento. A presença ou ausência de escleróticas azuladas foi proposta para diferenciar o tipo I do tipo IV, porém esta característica pode estar presente em qualquer tipo de OI e, inclusive,


Revista Brasileira de Ortopedia - Vol. 37, Nº 8 - Agosto, 2002. em indivíduos normais(14). Devido a isso, estamos propondo que as distintas.formas. de OI sejam mencionadas, referindo-se às suas características clínicas, ao invés de utilizar números que não têm maior significado clínico.

Utilizando critérios clínicos e histomorfométricos conseguiu-se subclassificar o tipo IV em pelo menos mais cinco tipos. A OI com calosidade hipertrófica e ossificação da membrana interóssea do antebraço, referida como .tipo V. na literatura(6), tem características clínicas muito claras. São pacientes que com freqüência desenvolvem enormes calos de reparação em torno das fraturas.

Em muitos casos, entram no diagnóstico diferencial com processos neoplásicos e existem ocasiões nas quais podem até chegar à amputação do membro. Outra característica desses pacientes é que apresentam calcificação da membrana interóssea entre o rádio e o cúbito e, devido a isso, não conseguem pronar ou supinar o antebraço. A esses achados soma-se uma banda hiperdensa na epífise

distal dos ossos longos, cujo significado é desconhecido. Existe nesses casos um aspecto típico na distribuição do colágeno, que é observado ao microscópio mediante a luz polarizada quando se realiza uma biópsia óssea. Outros tipos definidos clinicamente são o síndrome de Cole-Carpenter (OI

com craniosinostose e proptose)(15), a associação OI-pseudoglioma(10,11), a OI com defeito da mineralização(16), a OI rizomélica(7) e a OI associada a contraturas musculares (síndrome de Bruck)(17) (quadro 1).


QUADRO 1

Formas clínicas de Osteogenesis Imperfecta

OI leve com estatura normal

OI moderada com baixa estatura

OI grave com fáceis triangular

OI letal

OI com defeito na mineralização

OI com hipercalosidade e ossificação da membrana interóssea do

antebraço

OI rizomélica

OI associada a pseudoglioma

OI associada a contraturas musculares

OI com craniosinostose e proptose (síndrome de Cole-Carpenter)


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TRATAMENTO

Por muito tempo, o tratamento da OI limitou-se às medidas conservadoras, com mínima atividade física e eventuais correções cirúrgicas das deformidades. A cirurgia nesses pacientes era complicada pela fragilidade intrínseca dos ossos. Numerosos tratamentos médicos foram testados para essa população de pacientes: vitamina C, vitamina D, flúor(18), magnésio, esteróides anabolizantes, calcitonina(19), hormônio de crescimento(20) e transplante de medula óssea(21). Nenhum desses tratamentos mostrou ser útil ou, pelo menos, eficaz na OI. Ultimamente, no entanto, o uso de bisfosfonatos como tratamento da OI mudou a qualidade de vida desses pacientes(22,23,24), e as possibilidades de tratamento cirúrgico das deformidades se estenderam significativamente.

Os bisfosfonatos são potentes inibidores da reabsorção óssea(25). São medicamentos habitualmente utilizados para tratar adultos com perda de massa óssea e pacientes com aumento da fragilidade dos ossos(26,27,28). O mecanismo de ação desse grupo de drogas não é ainda ao todo muito claro, mas sabe-se que atuam estimulando a apoptose . morte celular programada . dos osteoclastos(29) e

atrasam a apoptose dos osteoblastos(30). Esses efeitos são a conseqüência da ação dos bisfosfonatos na cadeia de produção do mevalonato(31). Na análise dos primeiros 30 pacientes maiores de três anos de idade que receberam o tratamento com pamidronato no Shriners Hospital for Children, Montreal, Canadá(22), a densidade mineral óssea aumentou 41,9 +/- 29% por ano e, o que é mais importante, o desvio do valor normal (escore Z) aumentou de - 5,3 +/- 1,2 a - 3,4 +/- 1,5. A espessura da cortical dos ossos metacarpais aumentou, assim como a altura dos corpos vertebrais. Todos os pacientes

tratados referiram substancial alívio da dor e aumento da sua capacidade energética. O único efeito colateral observado foi a reação na fase inicial, na primeira vez que os pacientes recebiam a droga. Reação tipo pseudogripal, com febre de duração inferior a 24 horas, foi observada. Diante desses alentadores resultados, crianças com menos de três anos de idade também passaram a ser tratadas(23).. Neste grupo etário, os resultados foram ainda mais estimulantes que nas crianças maiores. Nove crianças com OI  grave receberam tratamento durante 12 meses e os resultados foram comparados com outro grupo de seis crianças de idade e gravidade semelhantes, mas que não

receberam tratamento medicamentoso. No grupo tratado, a densidade mineral óssea aumentou entre 65% e 227%, com expressivo incremento do escore Z,


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enquanto no grupo controle não foram observadas alterações significativas quanto ao escore Z. A superfície projetada das vértebras (que reflete as fraturas vertebrais) aumentou significativamente após o tratamento e não variou no grupo controle. A redução do número de fraturas antes e depois do tratamento pode não ser bom indicador da eficácia, pois é sabido que nos pacientes com OI ele

decresce com a idade, na maioria dos casos(32). No entanto, o número de fraturas foi
significativamente menor no grupo submetido ao tratamento do que no grupo controle. O tratamento não interferiu na reparação das fraturas. Em todos os pacientes menores do que três anos que foram tratados notamos aceleração do crescimento. A causa desse efeito não é clara ainda. É provável que o tratamento reduza o número de microfraturas no nível das cartilagens de crescimento. A recuperação da altura das vértebras também contribuiu para esse efeito.

O desaparecimento das dores ósseas e a diminuição do número de fraturas contribuíram para que os pacientes tivessem maior mobilidade e melhor qualidade de vida. Sabe-se que esse aumento da atividade física é fator essencial para o desenvolvimento esquelético(33) e, provavelmente, tem ação sinérgica com o tratamento medicamentoso.

Na atualidade existem mais de 200 pacientes portadores de OI em tratamento no Shriners Hospital for  Children. O tratamento clínico também se administra em numerosos outros países, incluindo o Brasil e outros da América Latina.


TRATAMENTO ORTOPÉDICO

Na abordagem terapêutica ortopédica para a Osteogenesis Imperfecta existem três possíveis áreas de atuação. A primeira destina-se às medidas de prevenção para a redução do número de fraturas, a segunda restringe-se ao tratamento das fraturas e a terceira à correção cirúrgica das deformidades.

Como medidas para a prevenção e redução do número de fraturas, os programas de exercícios, como, por exemplo, a hidroterapia, têm sido utilizados e parecem ter significativo valor. Bleck(34) propõe a técnica da osteoclasia para alinhamento da tíbia, seguida do uso de imobilização do tipo brace, que permite proteção maior do membro afetado, diminuindo com isso a incidência de futuras fraturas e abreviando o período de inatividade.

Em relação ao tratamento específico das fraturas, de maneira geral, o uso de aparelhos gessados ou de braces deve ser o mais breve possível, uma vez a imobilização prolongada leva a maior fraquecimento ósseo.


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Muitas vezes essas fraturas constituem-se no momento oportuno para o tratamento cirúrgico e preventivo de novos episódios. Funcionam como ponto de partida para uma série de osteotomias consecutivas e concomitantes (operação de Sofield), possibilitando o encavilhamento intramedular do correto eixo ósseo resultante.

No campo das correções das deformidades, várias técnicas têm sido descritas utilizando-se vários tipos de materiais de implantes para a estabilização  esquelética após as osteotomias corretivas.

Um princípio básico que deve ser considerado no tratamento cirúrgico desses pacientes é o de que as corticais ósseas são extremamente frágeis e não dão suporte mecânico aos materiais de osteossíntese do tipo placas e parafusos.

Assim, quando se executam as osteotomias corretivas das deformidades, as quais são limitantes da função e impossibilitam a marcha, ou ainda, nas reconstruções pós-fraturas, o planejamento
 operatório deve ser feito utilizando-se os princípios do encavilhamento ósseo intramedular.

Os materiais de implante utilizados são de dois tipos: as hastes maciças e sólidas; únicas ou múltiplas (fios de Steinmann) e as hastes telescopadas. Estas últimas, incluindo diferentes maneiras de fixação ou ancoragem na região epifisiária dos ossos, como as descritas por Bailey e Dubow(35) ou por Fassier e Duval((36). O objetivo é permitir o alongamento da haste, acompanhando o
crescimento ósseo da criança.

Inúmeras vezes a correção da deformidade é conseguida com uma única osteotomia ou com a redução da fratura; o encavilhamento ósseo intramedular associado à imobilização gessada dá boa estabilidade mecânica ao sistema até que ocorra a consolidação.

Há situações em que os encurvamentos crônicos são de raio longo e não se prestam à correção feita num único ponto, havendo a necessidade de executar osteotomias em dois ou mais sítios, no mesmo osso. Após isso a reconstrução esquelética e encavilhamento se obtêm alinhando os fragmentos osteotomizados numa seqüência alternada de concavidade e convexidade, produzindo assim,
como resultante, um correto alinhamento final (Sofield e Millar).


PERSPECTIVAS

Novos tratamentos estão sendo investigados na atualidade, abrindo outras portas para ajudar os pacientes com OI. O grupo canadense está coordenando um grande estudo duplo-cego, multicêntrico, para provar a eficácia e segurança do uso do alendronato oral nesses pacientes. Brevemente iniciar-se-á novo estudo


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multicêntrico usando zolendronato intravenoso. Além disso, diferentes grupos estão trabalhando para encontrar uma terapia gênica para a OI.

O desenho de novas hastes telescopadas abre também novo horizonte para melhorar a qualidade de vida das pessoas com OI. À medida que entendermos melhor as causas da enfermidade, poderemos desenvolver novas estratégias para o seu tratamento.
Esta história recém se inicia.

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Trabalho realizado no Departamento de Genética do Shriners Hospital  for  Children de Montreal

(DG-SHCM) em conjunto com o Grupo de Ortopedia Pediátrica do Departamento de Ortopedia e

Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (GOP-DOTFCMSCSP),

Pavilhão .Fernandinho Simonsen. (Diretor: Prof. Dr. Osmar Pedro Arbix de Camargo).

1 Médico Pós-Graduando do GOP-DOT-FCMSCSP.

2 Médico Coordenador de Pesquisas Clínicas da Unidade de Genética do Shriners Hospital for

Children de Montreal.

3 Médico Ph.D; Diretor da Unidade de Genética do Shriners Hospital for Children de Montreal.

4 Professor Doutor; Chefe do GOP-DOT-FCMSCSP

Endereço para correspondência: Dr. Marcelo Camargo de Assis, Av. Princesa D.Oeste,

858, apto. 64 . 13095-010 . Campinas SP. Tel./Fax: (19) 3254-6084; e-mail:

marcelo.assis@sigmanet.com.br
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