Hastes ortopédicas, das adaptadas
na FCM às concebidas na FEM
Garantindo a firmeza e o crescimento de ossos
Em medicina, o termo osteogênese refere-se à formação e ao
desenvolvimento do tecido ósseo. A expressão osteogênese imperfeita designa
apropriadamente imperfeições verificadas na formação óssea. Nomeia uma doença
congênita, que, embora inata, pode ter caráter hereditário ou não e que resulta
de deficiência metabólica que leva à má formação ou deficiência do colágeno
tipo 1, responsável pela resistência óssea.
Os indivíduos cujos organismos não conseguem produzir
adequadamente esse tipo de colágeno, ou seja, o fazem defeituoso ou em
quantidade não suficiente, sofrem deformações ósseas principalmente nos membros
inferiores, que sustentam o corpo. O colágeno, proteína mais abundante do
organismo humano, é essencial para a formação do esqueleto. Ela tem o mesmo
papel da ferragem em uma construção. Imagine-se um prédio com uma estrutura de
concreto sem ferro, ou com ferro fino ou defeituoso. Quebra pela ação do
próprio peso. Esse é o problema dos portadores da osteogênese imperfeita. Seus
ossos, desprovidos de uma estrutura de sustentação mais sólida, entortam e
depois quebram.
O médico William Dias Belangero, do Departamento de
Ortopedia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, introduziu
inovações em hastes metálicas, extensíveis e de colocação intramedular que
garantem a firmeza dos ossos e possibilitam o seu crescimento, minimizando
significativamente problemas que as antigas hastes criadas na década de 50
causavam aos pacientes e que, por isso, tiveram seu uso proibido.
O professor explica que a osteogênese imperfeita é uma
doença sistêmica e que, portanto, envolve todos os ossos do organismo. Claro
que aqueles submetidos a maior esforço são mais afetados e, por isso, os ossos
dos membros inferiores sofrem mais do que os dos membros superiores.
Por outro lado, possuindo menos resistência, os ossos vão se
deformando em parte pela ação dos músculos, pois a própria contração muscular
os deforma porque durante o crescimento os ossos têm a função de esticar a
pele, os músculos e os tendões para que cresçam juntos. Como o osso doente não
tem a resistência necessária, os músculos e os tendões acabam por vezes
deformando-o. Na osteogênese imperfeita, diz o médico, existem deformações bem
clássicas decorrentes da ação apenas dos músculos.
A osteogênese imperfeita é classificada em tipos. Em um dos
casos graves, lembra Belangero, as crianças ficam mais baixas e apresentam
deformidades de face, de tronco, de membros e, apesar disso, exibem um
coeficiente de inteligência muito bom. “Deve ser feito o máximo possível para
tratá-las, pois essas deformações vão se agravando à medida que a criança
cresce”, afirma.
O tratamento
Belangero esclarece que hoje existem duas linhas de
tratamento para controlar a doença. A medicamentosa utiliza os chamados
bifosfonados, principalmente o pamidronato, ministrado por via endovenosa, que
reduz a dor, o número de fraturas e aumenta a resistência óssea, o que leva a
criança a um desenvolvimento muito maior do que tinha antes. O tratamento com
medicamento ameniza o sofrimento do paciente muito pequeno, quando não há
ainda condições de realizar a cirurgia, porque existe um limite mínimo a ser
observado no seu desenvolvimento para colocação da haste dentro do osso, que
constitui a segunda alternativa.
Ele constata que a partir do momento que se torna possível a
utilização da haste é conveniente implantá-la porque as deformidades indicam
encurvamento dos ossos e, à medida que a criança se movimenta, a tendência do
encurvamento é aumentar progressivamente, tornando-os mais suscetíveis à
fratura. Nesse caso se recorre ao procedimento cirúrgico e à fixação das hastes
telescópicas para que o paciente tenha uma vida mais próxima da normalidade.
Os progressos
Estimulado pelo professor Gottfried Koberle, William Dias
Belangero começou a trabalhar com implantação de hastes telescópicas no
enfrentamento da osteogênese imperfeita na década de 80, época em que a
Faculdade de Ciências Médicas funcionava ainda na Santa Casa de Misericórdia de
Campinas. Ele conta que o professor começou a tratar as crianças utilizando a
técnica de Bailey Dubow, pioneiros no invento e utilização das hastes telescópicas
extensíveis, em meados da década de 50. A haste era constituída de duas partes
que deslizam uma dentro da outra, a exemplo do êmbolo em uma seringa, por isso
extensíveis, e afixadas por parafusos pelas extremidades que a prendiam na
parte superior e inferior do osso, caso do fêmur, por exemplo.
À medida que o osso crescia, a haste destelescopava, ou
seja, corria no canal. Mas passou-se a observar em um número grande de casos
que o crescimento do osso levava a haste a se desprender de um dos pontos de
fixação e a migrar, deslizar, para dentro dele e com isso não ocorria a
proteção quanto às deformidades ou fraturas. Nesses casos, havia inclusive o
perigo de lesão na placa de crescimento do osso, o que o levaria a parar de
crescer. Como as complicações relatadas chegavam a 60% dos casos, o modelo não
foi mais utilizado.
Foi aí que ele teve a idéia de introduzir nas hastes ganchos
nas duas extremidades, substituindo os parafusos de fixação. Apesar de simples,
esta modificação mudou completamente a história da sua utilização, porque, diz
ele, “agora, ao colocar as hastes, os ganchos das extremidades são ancorados
sobre as cartilagens articulares que apresentam maior resistência que o próprio
osso, impedindo a migração da haste para o interior dele”. O implante se fixa
nas epífises dos ossos, ou seja, nas extremidades dos ossos longos,
fundamentalmente fêmur e tíbia. Ele já utilizou o procedimento no úmero, que é
o osso do braço, embora os ossos dos membros superiores não sejam os mais
afetados, pois não suportam peso.
Belangero foi o pioneiro na utilização de ganchos, pois as
modificações anteriormente introduzidas por outros grupos do exterior
utilizaram ainda modificações no sistema de parafusos. As inovações
introduzidas por ele, em 1990, estão completando 19 anos. Em 1999 ele fez a
primeira reavaliação dos seus pacientes e em 2004 fez nova avaliação completa
de todos eles, do que se originou a publicação de 2006 em que trata do
“Desempenho da Himex - haste intramedular extensível ancorada por ganchos na
osteogênese imperfeita”, estudo apresentado na FCM da Unicamp como parte das
exigências para obtenção do título de professor livre-docente. O trabalho que
vem desenvolvendo tem sido apresentado em eventos nacionais e internacionais e
recentemente foi encaminhado para publicação em revistas nacional e
internacional, pois acredita que tenha se cumprido o tempo de acompanhamento
que um trabalho desse tipo exige.
“Hoje não tenho nenhuma dúvida: estou completamente
convencido de que a haste funciona. Claro que durante um certo período todos
nos tínhamos incertezas, porque nos perguntávamos se uma modificação tão
simples produziria os efeitos e resultados esperados. Hoje essas dúvidas se
dissiparam”, constata o professor, entusiasmado.
Os resultados obtidos por Belangero revelam uma grande
sobrevida dos implantes, pois cerca de 80% deles não tinham sido retirados após
108 meses de acompanhamento, o que equivale a nove anos. A taxa de complicações
ou migrações foi muito baixa, cerca respectivamente, de 18% e 12%, enquanto a
literatura mostrava que na utilização da haste antiga as complicações chegavam
a atingir 60% dos casos.
Embora tenha requerido patente ele não se interessa por ela,
pois no seu entendimento o mais importante é que o implante funcione e
revele-se mais eficiente dos que se dispõe ou se dispunham no mercado. Ele vê
com certa tristeza e preocupação o fato de o implante não estar cadastrado no
Sistema Único de Saúde (SUS), pois se isso ocorresse poderia ser utilizado
amplamente pelos ortopedistas pediátricos, porque hoje a utilização não é
generalizada e se dá apenas por ele e por alguns colegas com os quais mantêm
contato. Embora não saiba explicar o que impede que o SUS cadastre o implante,
tem esperanças que isso não demore a ocorrer.
Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa
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